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Por Maria Fernanda Vilani

São Paulo

16 anos do Caso Eloá: como a mídia influencia nas operações policiais?

Após ser mantida em cárcere privado por cinco dias, jovem foi morta por ex-namorado.

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Imagem: Redes Sociais

Em 13 de outubro de 2008, no ABC Paulista, Lindemberg Fernandes Alves, 22, invadiu a casa de sua ex-namorada, Eloá Cristina, de 15 anos, e a manteve refém junto com outros três amigos- Nayara Rodrigues da Silva, Iago Vilera e Victor Campos- por cinco dias.
 

Durante as 100 horas de sequestro, o país inteiro acompanhava os acontecimentos em uma cobertura em tempo real da mídia, que chegou ao final somente no dia 17, com a ação inesperada da polícia de invadir a residência. 


Acuado pela movimentação, o criminoso atirou nas duas reféns que ainda restavam a serem libertadas: Nayara,sobrevivente, foi atingida no rosto e Eloá foi alvejada na cabeça e na virilha, tendo sua morte decretada no hospital. 
No decorrer dos anos, a atuação da mídia sobre casos criminais vem se tornando pauta de discussões baseadas na ética e quando é mencionado um exemplo, logo é lembrado o Caso Eloá. 

 

AS PRIMEIRAS INFORMAÇÕES

A polícia foi contatada apenas no fim da noite do dia 13, quando o pai de Victor sentiu falta do filho e foi até a residência, chegando lá, foi ameaçado por Lindemberg e comunicou as autoridades. 


“A  primeira viatura que chegou ao local da ocorrência acionou seus Superiores para apoio e acompanhamentos necessários. No caso específico, como havia reféns foi acionado o grupo especializado em negociações que é o GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo). A partir da chegada da guarnição no local dos fatos, a incumbência das negociações passou a ser dessa equipe.” - Diz Gentil Maloni Ortega, tenente coronel da Polícia Militar e ex-coordenador operacional do 24º batalhão. 


Já para imprensa, as informações chegaram apenas na manhã do dia 14 como destaca o jornalista César Galvão que realizou a cobertura in-loco para a Rede Globo:


“A primeira informação que chegou, na verdade, não era de um sequestro. Era de um assalto com reféns dentro de um prédio de um condomínio popular ali no Jardim Santo André, no fundo de Santo André, quase limite com São Bernardo do Campo.”

 

PRIMEIRAS HORAS DE COBERTURA 

Victor e Iago foram liberados nos momentos após a chegada das autoridades. 


Na chegada da imprensa, pela manhã, ainda restavam dentro do apartamento, as duas meninas com o sequestrador. O jornalista dá mais detalhes dos momentos iniciais da operação: 


“De tempos em tempos, chegavam novos carros da polícia, eles iam se concentrando. Foi feito um isolamento. A imprensa já não tinha acesso àquele ponto exato ali. E aí o foco passou a ser prédio.”. 


Na noite do dia 14, após longas negociações e muita tensão, Nayara foi libertada, restando dentro do apartamento, apenas o ex-casal:

Imagem: Arquivo Pessoal

 “À medida que as horas passavam, a gente percebia que não havia um acordo ali entre a polícia e o sequestrador. Houve uma situação mais tensa porque a porta se abriu a primeira vez e ele libertou a Nayara”. 


50 HORAS DE AÇÃO 

    No terceiro dia de sequestro, as expectativas por movimentações eram grandes, a polícia já negociava a rendição de Lindemberg e a libertação da menina Eloá. Nesta altura, a imprensa no local havia sido orientada a se afastar:


“Eu peguei a minha equipe, claro que eu não fiquei de frente pro apartamento, porque, num certo momento, ele atirou, ele abriu a janela e atirou. Naquele momento eu estava num prédio diagonal, num apartamento na altura do apartamento que ele estava.”


Quando a grande ação da mídia aconteceu: a apresentadora Sônia Abrão ligou para o apartamento e iniciou uma conversa com o sequestrador ao vivo para todo o Brasil. Na ligação, a jornalista começou a negociar a libertação da jovem enquanto Lindemberg afirmava que não era uma pessoa ruim e fazia isso por amor.

Imagem: Youtube

Em entrevista dada ao UOL, em 2014, Sônia afirmou que acredita que sua cobertura tenha sido perfeita, mas para César Galvão, este foi o principal ponto negativo da cobertura da mídia: 


“O sequestrador passou a falar com o mundo. E as outras emissoras, quando viram que ficaram para trás, começaram a fazer o mesmo. Então deram força para o sequestrador. Deram energia para que ele continuasse ali, mantendo a menina refém.” 

 

A VOLTA DA REFÉM E O FIM TRÁGICO

Na manhã do dia 16 de outubro, ocorreu o momento mais criticado da operação até os dias de hoje: Nayara, que havia sido libertada na noite do dia 14, agora volta ao local para ajudar nas negociações e se torna refém novamente, estendendo a ação por mais um dia.


Após 100 horas do sequestro, o final trágico se aproximou. No fim da tarde do dia 17 de outubro, a polícia invade o apartamento, segundo as autoridades, após ouvir um disparo.


“Eu fiquei os cinco dias lá. Eu só vinha pra minha casa pra dormir um pouco e voltava pra lá. Quando terminou, eu percebi que ia terminar. Porque tinha aquele grupo de negociação, tinha um advogado, uns promotores e um negociador da PM. Saíram os advogados, da porta do prédio, de cabeça baixa. Depois, saiu o promotor de cabeça baixa e, por fim, quando saiu o policial negociador, eu percebi ali que tinha acabado a chance de negociar um fim melhor do que aquele. Aí eu preveni a minha equipe, foram cinco minutos, a polícia invadiu o apartamento.” 


O criminoso obstruiu a porta da residência com uma mesa, o que atrasou a entrada rápida da polícia e em questão de segundos, foram escutados quatro disparos: um atingiu o rosto de Nayara, dois atingiram a cabeça e a virilha de Eloá, e o quarto de borracha, disparado pela PM, acertou a parede. 


A jovem de 15 anos saiu carregada e foi levada imediatamente ao hospital, enquanto o sequestrador era contido.

Imagem: Arquivos/Rede Globo

Algumas horas após o fim da ação, o Palácio dos Bandeirantes noticiou a morte de Eloá Cristina, mas foi desmentido pela assessoria do Governo de São Paulo. A morte cerebral da garota foi confirmada na madrugada do dia 18 de outubro. 


Em fevereiro de 2012, Lindemberg Fernandes Alves foi condenado a 98 anos e dez meses de prisão  por todos os 12 crimes cometidos durante os cinco dias. Em 2013, sua pena foi reduzida para 39 anos e três meses de reclusão.  No fim de 2022, o criminoso conseguiu obter a progressão ao regime semiaberto. 

Imagem: Diogo Moreira

INTERFERÊNCIA DA MÍDIA

Em casos criminais, a relação entre autoridades e imprensa, quase sempre é marcada por conflitos e falta de comunicação. 


Para o tenente coronel Maloni, a relação de comunicação deve ser clara para a garantia da interpretação: 


“Parece óbvio que é mais vantajoso manter aberta esta linha de comunicação e garantir que o lado da Polícia seja sempre mostrado. Mas comunicar-se não é tarefa tão fácil. O relacionamento deve ser sempre cordial e transparente para respeito dos mandamentos constitucionais em quaisquer organizações governamentais e privadas.”


Mas, o jornalista César Galvão relata a relação delicada deste caso: 


“A equipe também não deixava que os jornalistas chegassem perto. E eles colocavam, na verdade, um oficial da PM, que não participava da negociação, entre a equipe de negociação e a imprensa. Então, todas as informações oficiais que nós tínhamos vinham desse porta-voz da PM. E, ao mesmo tempo, eles cercaram a área, foi aí que nós procuramos um apartamento de frente. Essa relação nunca é fácil, porque a PM acha que ela tem que estar lá, porque ela tem que negociar. Eles não entendem, muitas vezes, que a gente também está lá trabalhando, no bem da informação.”


Ainda hoje, há o grande questionamento sobre como a cobertura jornalística influenciou no fim trágico da ação e na glamurização do criminoso: 


Para o correspondente in-loco, a cobertura foi bem feita, tendo seus pontos negativos na intromissão dos veículos de impressão. 


Já para as autoridades, há muito o que se aprimorar nas relações com a mídia: 


“Acreditamos no fato de que a cobertura proporcionada pela mídia tenha influenciado negativamente de certa forma para o fim trágico dos acontecimentos e que essa ocorrência não seja esquecida a fim de didaticamente aprimorarmos as técnicas operacionais policiais em eventos semelhantes e o trato da imprensa nas coberturas jornalísticas.” 

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